sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Natal: do clichê da Cidade do Sol ao lugar-incomum de cidade pós-moderna

Texto: Jóis Alberto

Existe um estilo brega que todos conhecem, mas já o kitsch muitas vezes é menos óbvio de ser identificado pelo grande público, da mesma forma o estilo camp - representado na art nouveau, por exemplo -  ou o ecletismo pós-moderno nem sempre são facilmente identificados pelos públicos mais bem informados e de bom gosto.

O cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que no final de 2011 teve lançado no Brasil seu novo filme, é, na atualidade, um mestre na arte de trabalhar com o kitsch de maneira inovadora – farei tão somente essa menção, independente de discussões sobre o conteúdo sexual e acerca da sexualidade, sabidamente inerente à sua filmografia, porque o que me interessa abordar aqui são questões estéticas no contexto da grandes transformações pelas quais passam o Brasil, e nesse cenário, as mudanças que rapidamente transformaram a paisagem de Natal, nos últimos 20 anos.

Igualmente é um fato que bem antes de Almodóvar vários artistas brasileiros foram mestres nesse tipo de abordagem crítica acerca do que é considerado de mau gosto ou bom gosto em arte, em especial a partir do trabalho pioneiro do poeta Oswald de Andrade.


Cena de "A pele que habito", de Almodóvar


Na sétima arte, vale citar as experiências inovadoras de Rogério Sganzerla no cinema brasileiro, nos anos 60. Na literatura, Nelson Rodrigues foi um gênio, que todos conhecem, ao tratar dessas questões em suas tragédias dos subúrbios e outros bairros cariocas, seja em crônicas ou peças teatrais. Na música brasileira, com o Tropicalismo, há várias citações disso, como a tão longa – mais de quatro minutos – quanto instigante gravação que Caetano Veloso fez de “Coração materno”, de Vicente Celestino.

Existem várias outras situações bem conhecidas, como o culto ao cinema B, trash; o olhar divertido, a audição irreverente, da estética e da música brega, da música de forte apelo popular de Odair José, Fernando Mendes, Reginaldo Rossi… Em Natal, como se sabe, vários artistas trabalham, consciente ou inconscientemente, com a estética kitsch e fazem sucesso, recebem aplausos e elogios. E com isso, cometem algum pecado estético? Claro que não! Felizmente há muito eles e elas recebem a consagração e o emocionado carinho do público e compreensão da crítica.


Um coquetel à art noveau e outros estilos

Aqui é o caso de parafrasear: toda a breguice, em Natal, jamais será refutada, muito menos castigada com risos ou deboches, ou esnobada com sarcasmos! Pelo contrário: será estimulada! Que ela se exponha livre, leve, solta, sensual e sem rédeas! Seja na forma de show musical, teatro ou poesia. Não saturam? Acredito que não, porque são espetáculos, peças, ou canções populares, agradáveis, fáceis de compreender e de vender. E permanentemente haverá um público interessado nessas coisas, bem como artista/produtor a querer faturar, com velhas e novas versões de caça níquel!


 

Praia de Ponta Negra, em Natal/RN, no verão de 2012, vai do chique 
ao brega em suas várias versões

Do ponto de vista de uma estética mais elaborada, sempre achei interessante, por exemplo, a lição, o legado da poesia inovadora de um Oswald de Andrade ao transformar o lugar-comum em lugar-incomum. Isso ocorreu também de outras formas e em outros lugares da América – continente sem a mesma tradição artística e cultural da Europa, por exemplo. Nos EUA, nos anos 60, no auge do kitsch da antiga Disneylândia, depois Disney World; ou com a estética de Las Vegas, etc, explodiram os diversos movimentos pop, que se apropriaram, de maneira crítica e criativa, de muitas manifestações artísticas e culturais de massa, como a literatura popular, as histórias em quadrinhos, etc.

Tornaram-se mais conhecidos, a partir de então, no universo das artes e da crítica, novos conceitos como o de média cultura, kitsch e o de camp, – este, todavia, bem menos conhecido no Brasil – para tratar dessas questões, em textos de teóricos americanos, como Dwight Macdonald, no caso do conceito de média cultura; ou Susan Sontag, com texto sobre o camp; de europeus, como Umberto Eco ou Abraham Moles; ou brasileiros como Décio Pignatari, os irmãos Campos, Mário Pedrosa – pioneiro, no Brasil, em outro assunto relacionado: o pós-modernismo –; Hélio Oiticica, dentre outros. Antes deles, já existia a abordagem pioneira de Walter Benjamin sobre a obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica; ou a arte provocadora de um Marcel Duchamp, artista de vanguarda para quem, paradoxalmente, o inimigo da arte é o bom gosto!

São questões sempre polêmicas e atuais. Houve época em que muitos afirmavam, preconceituosamente, que “O Pequeno Príncipe” era livro de miss! Sabe-se, contudo, que dentre os leitores desse clássico de Antoine de Saint-Exupéry figurava o grande filósofo Martin Heidegger, que o tratava com grande estima.
A art nouveau, a pintura pré-rafaelita, ainda são exemplos de bom gosto, ou são camp – aquilo que foi considerado bom em determinada época? Pinguim em cima de geladeira, que donas de casa gostavam e muitos consideravam de mau gosto, ainda é kitsch?

Hoje, como raramente se vê pinguim na geladeira, tal coisa pode ser considerada arte? Sei lá! Porque isso é tão ruim, que parece até bom!

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